Formas de Renascimento
por
Carl Gustav Jung
A
metempsicose
A metempsicose, a
transmigração da alma, como forma de renascimento, trata da ideia de uma vida
que se estende no tempo, passando por vários corpos, ou da seqüência de uma
vida interrompida por diversas reencarnações. O budismo especialmente centrado nessa
doutrina - o próprio Buda vivenciou uma longa série de renascimentos - não tem
certeza se a continuidade da personalidade é assegurada ou não; em outras
palavras, pode tratar-se apenas de uma continuidade do karma. Os discípulos
perguntaram ao mestre, quando ele ainda era vivo, acerca desta questão, mas
Buda nunca deu uma resposta definitiva sobre a existência ou não da
continuidade da personalidade.
A
Reencarnação
A segunda forma é a
reencarnação, que contém (eo ipso) o conceito de continuidade pessoal. Neste
caso, a personalidade humana é considerada suscetível de continuidade e
memória; ao reencarnar ou renascer temos, por assim dizer potencialmente, a
condição de lembrar-nos de novo das vidas anteriores, que nos pertenceram,
possuindo a mesma forma do eu da vida presente. Na reencarnação trata-se em
geral de um renascimento em corpos humanos.
A
Ressurreição (resurrectio)
Uma terceira forma é a
ressurreição, pensada como um ressurgir da existência humana, após a morte. Há
aqui outro matiz, o da mutação, da transmutação, ou transformação do ser. Esta
pode ser entendida no sentido essencial, isto é, o ser ressurreto é um outro
ser; ou a mutação não é essencial, no sentido de que somente as condições
gerais mudaram como quando nos encontramos em outro lugar, ou em um corpo diferentemente
constituído. Pode tratar-se de um corpo carnal, como na crença cristã de que o
corpo ressurge. Em nível superior, este processo não é compreendido no sentido
material grosseiro, mas se considera que a ressurreição dos mortos é um
ressurgir do corpo sutil, no estado de incorruptibilidade.
O
Renascimento (renovatio)
A quarta forma diz
respeito ao renascimento (sensu striction), em outras palavras, ao renascimento
durante a vida individual. A palavra inglesa rebirth é o equivalente exato da
palavra alemã Wiedergeburt (renascimento) e parece não existir no francês um
termo que possua o sentido peculiar do "renascimento". Essa palavra
tem um matiz específico. Possui uma conotação que indica a ideia de renovatio,
da renovação ou mesmo do aperfeiçoamento por meios mágicos. O renascimento pode
ser uma renovatio sem modificação do ser, na medida em que a personalidade
renovada não é alterada em sua essência, mas apenas em suas funções, partes da
personalidade que podem ser curadas, fortalecidas ou melhoradas. Estados de
doença corporal também podem ser curados através de cerimônias de renascimento.
Outra forma ainda é uma
mutação propriamente dita, ou seja, o renascimento total do indivíduo. Neste
caso, a renovação implica mudança da essência, que podemos chamar de
transmutação. Trata-se da transformação do ser mortal em um ser imortal, do ser
corpora! no ser espiritual, do ser humano num ser divino. Um exemplo muito
conhecido é o da transfiguração miraculosa de Cristo, ou a subida ao céu da Mãe
de Deus com seu corpo, após a morte. Representações semelhantes podem ser
encontradas no Fausto, Segunda Parte, isto é, a transformação de Fausto no
Menino e depois no Dr. Mariano. ε Participação no processo da transformação.
A quinta forma,
finalmente, é o renascimento indireto. Neste caso, a transformação não ocorre
diretamente pelo fato de o homem passar por morte e renascimento, mas
indiretamente pela participação em um processo de transformação como se este se
desse fora do indivíduo. Trata-se de uma participação ou presença em um rito de
transformação. Pode ser uma cerimônia como a missa, por exemplo, em que se
opera uma transubstanciação. Pela presença no ritual o indivíduo recebe a
graça. Nos mistérios pagãos também existem transformações semelhantes, em que o
neófito também recebe a graça, tal como sabemos acerca dos mistérios de
Elêusis. Lembro-me da profissão de fé do neófito eleusino, que enaltece o efeito da graça sob a forma da certeza da
imortalidade.
Psicologia
do Renascimento
O renascimento não é um
processo de algum modo observável. Não podemos medi-lo, pesar ou fotografá-lo;
ele escapa totalmente aos nossos sentidos. Lidamos aqui com uma realidade
puramente psíquica, que só nos é transmitida indiretamente através de relatos.
Falamos de renascimento, professamos o renascimento, estamos plenos de
renascimento – e esta verdade nos
basta. Não nos preocupamos aqui com a questão de saber se o renascimento é um
processo de algum modo palpável.
Devemos contentar-nos com
a realidade psíquica. No entanto é preciso acrescentar que não estamos nos
referindo à opinião vulgar acerca do "psíquico" que o considera um
nada absoluto ou algo menos do que um gás. Muito pelo contrário, a meu modo de
ver a psique é a realidade mais prodigiosa do mundo humano. Sim, ela é a mãe de
todos os fatos humanos, da cultura e da guerra assassina. Tudo isso é
primeiramente psíquico e invisível. Enquanto permanece "unicamente"
psíquico não é possível experimentá-lo pelos sentidos, mas apesar disso
trata-se indiscutivelmente de algo real. O fato de as pessoas falarem de
renascimento e de simplesmente haver esse tal conceito, significa que também
existe uma realidade psíquica assim designada. Como essa realidade é constituída,
só o podemos deduzir a partir de depoimentos. Se quisermos descobrir o
significado do renascimento, devemos interrogar a história para saber quais as
acepções que esta lhe dá. O "renascimento" é uma das proposições mais
originárias da humanidade. Esse tipo de proposição baseia-se no que denomino
"arquétipo". Todas as proposições referentes ao sobrenatural,
transcendente e metafísico são, em última análise, determinadas pelo arquétipo
e por isso não surpreende que encontremos afirmações concordantes sobre o
renascimento nos povos mais diversos. Um acontecimento psíquico deve subjazer a
tais proposições. À psicologia cabe discutir o seu significado, sem entrar em
qualquer conjectura metafísica e filosófica. Para obtermos uma visão abrangente
da fenomenología das vivências de transformação é necessário delimitar essa
área com mais precisão. Podemos distinguir principalmente dois tipos de
vivência: primeiro, a vivência da transcendência da vida, e, segundo, a de sua
própria transformação.
Trecho
extraído do livro: Os Arquétipos do Inconsciente Coletivo