sábado, 10 de fevereiro de 2018

Jung Explica a Sincronicidade






Jung Explica a Sincronicidade


Talvez fosse indicado começar minha exposição, definindo o conceito do qual ela trata. Mas eu gostaria mais de seguir o caminho inverso e dar-vos primeiramente uma breve descrição dos fatos que devem ser entendidos sob a noção de sincronicidade. Como nos mostra sua etimologia, esse termo tem alguma coisa a ver com o tempo ou, para sermos mais exatos, com uma espécie de simultaneidade. Em vez de simultaneidade, poderíamos usar também o conceito de coincidência significativa de dois ou mais acontecimentos, em que se trata de algo mais do que uma probabilidade de acasos. Casual é a ocorrência estatística — isto é, provável — de acontecimentos como a "duplicação de casos", p. ex., conhecida nos hospitais. Grupos desta espécie podem ser constituídos de qualquer número de membros sem sair do âmbito da probabilidade e do racionalmente possível. Assim, pode ocorrer que alguém casualmente tenha a sua atenção despertada pelo número do bilhete do metro ou do trem. Chegando à casa, ele recebe um telefonema e a pessoa do outro lado da linha diz um número igual ao do bilhete. À noite ele compra um bilhete de entrada para o teatro, contendo esse mesmo número. Os três acontecimentos formam um grupo casual que, embora não seja freqüente, contudo não excede os limites da probabilidade. Eu gostaria de vos falar do seguinte grupo casual, tomado de minha experiência pessoal e constituído de não menos de seis termos: [960] Na manhã do dia Iº de abril de 1949 eu transcrevera uma inscrição referente a uma figura que era metade homem, metade peixe. Ao almoço houve peixe. Alguém nos lembrou o costume do "Peixe de Abril" (primeiro de abril). De tarde, uma antiga paciente minha, que eu já não via por vários meses, me mostrou algumas figuras impressionantes de peixe. De noite, alguém me mostrou uma peça de bordado, representando um monstro marinho. Na manhã seguinte, bem cedo, eu vi uma outra antiga paciente, que veio me visitar pela primeira vez depois de dez anos. Na noite anterior ela sonhara com um grande peixe. Alguns meses depois, ao empregar esta série em um trabalho maior, e tendo encerrado justamente a sua redação, eu me dirigi a um local à beira do lago, em frente à minha casa, onde já estivera diversas vezes, naquela mesma manhã. Desta vez encontrei um peixe morto, mais ou menos de um pé de comprimento [cerca de 30 cm], sobre a amurada do Lago. Como ninguém pôde estar lá, não tenho idéia de como o peixe foi parar ali.

Quando as coincidências se acumulam desta forma, é impossível que não fiquemos impressionados com isto, pois, quanto maior é o número dos termos de uma série desta espécie, e quanto mais extraordinário é o seu caráter, tanto menos provável ela se torna. Por certas razões que mencionei em outra parte e que não quero discutir aqui, admito que se trata de um grupo casual. Mas também devo reconhecer que é mais improvável do que, p. ex., uma mera duplicação.
No caso do bilhete do metro, acima mencionado, eu disse que o observador percebeu "casualmente" o número e o gravou na memória, o que, ordinariamente, ele jamais fazia. Isto nos forneceu os elementos para concluir que se trata de uma série de acasos, mas ignoro o que o levou a fixar a sua atenção nos números. Parece-me que um fator de incerteza entra no julgamento de uma série desta natureza e reclama certa atenção. Observei coisa semelhante em outros casos, sem, contudo, ser capaz de tirar as conclusões que mereçam fé. Entretanto, às vezes é difícil evitar a impressão de que há uma espécie de precognição de acontecimentos futuros. Este sentimento se torna irresistível nos casos em que, como acontece mais ou menos freqüentemente, temos a impressão de encontrar-nos com um velho conhecido, mas para nosso desapontamento logo verificamos que se trata de um estranho. Então vamos até a esquina próxima e topamos com o próprio em pessoa. Casos desta natureza acontecem de todas as formas possíveis e com bastante freqüência, mas geralmente bem depressa nos esquecemos deles, passados os primeiros momentos de espanto.

Ora, quanto mais se acumulam os detalhes previstos de um acontecimento, tanto mais clara é a impressão de que há uma precognição e por isto tanto mais improvável se torna o acaso. Lembro-me da história de um amigo estudante ao qual o pai prometera uma viagem à Espanha, se passasse satisfatoriamente nos exames finais. Este meu amigo sonhou então que estava andando em uma cidade espanhola. A rua conduzia a uma praça onde havia uma catedral gótica. Assim que chegou lá, dobrou a esquina, à direita, entrando noutra rua. Aí ele encontrou uma carruagem elegante, puxada por dois cavalos baios. Nesse momento ele despertou. Contou-nos ele o sonho enquanto estávamos sentados em torno de uma mesa de bar. Pouco depois, tendo sido bem sucedido nos exames, viajou à Espanha e aí, em uma das ruas, reconheceu a cidade de seu sonho. Encontrou a praça e viu a igreja, que correspondia exatamente à imagem que vira no sonho. Primeiramente, ele queria ir diretamente à igreja, mas se lembrou de que, no sonho, ele dobrava a esquina, à direita, entrando noutra rua. Estava curioso por verificar se seu sonho seria confirmado outra vez. Mal tinha dobrado a esquina, quando viu, na realidade, a carruagem com os dois cavalos baios.

Trecho extraído do livro: Sincronicidade – Carl Gustav Jung