sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

O Complexo Materno







O Complexo Materno

por Carl Gustav Jung


O arquétipo materno é a base do chamado complexo materno. É uma questão em aberto saber se tal complexo pode ocorrer sem uma participação causal da mãe passível de comprovação. Segundo minha experiência, parece-me que a mãe sempre está ativamente presente na origem da perturbação, particularmente em neuroses infantis ou naquelas cuja etiologia recua até a primeira infância. Em todo caso, é a esfera instintiva da criança que se encontra perturbada, constelando assim arquétipos que se interpõem entre a criança e a mãe como um elemento estranho, muitas vezes causando angústia. Quando os filhos de uma mãe super-protetora, por exemplo, sonham com frequência que ela é um animal feroz ou uma bruxa, tal vivência produz uma cisão na alma infantil e conseqüentemente a possibilidade da neurose.

O Complexo Materno do Filho

Os efeitos do complexo materno diferem segundo ocorrerem no filho ou na filha. Efeitos típicos no filho são o homossexualismo, o donjuanismo e eventualmente também a impotência. No homossexualismo o componente heterossexual fica preso à figura da mãe de modo inconsciente; no donjuanismo, a mãe é procurada inconscientemente "em cada mulher". Os efeitos do complexo materno sobre o filho são representados pela ideologia do tipo Cibele-Átis: auto-castração, loucura e morte prematura. O complexo materno no filho não é puro, na medida em que existe uma dessemelhança quanto ao sexo. Essa diferença é a razão pela qual em cada complexo materno masculino, ao lado do arquétipo materno, a anima do parceiro sexual masculino desempenha um papel importante. A mãe é o primeiro ser feminino com o qual o futuro homem entra em contato e ela não pode deixar de aludir, direta ou indiretamente, grosseira ou delicadamente, consciente ou inconscientemente a masculinidade do filho, tal como este último toma consciência gradual da feminilidade da mãe ou pelo menos responde de forma inconsciente e instintiva a ela. No filho, as simples relações da identidade ou de resistência no tocante à diferenciação são continuamente atravessadas pelos fatores de atração ou repulsa erótica. Assim sendo, o quadro torna-se substancialmente complicado. Mas não pretendo afirmar que devido a isso o complexo materno do filho deva ser tomado mais a sério do que o da filha. Na pesquisa desses fenômenos anímicos complexos ainda estamos em estado incipiente, no estágio do trabalho pioneiro. As comparações só podem ser feitas quando dispomos de dados estatísticos. Estes, porém ainda não existem. Só no caso da filha o complexo materno é mais puro e sem complicações. Trata-se nele, por um lado, de uma intensificação dos instintos femininos provindos da mãe, e, por outro, de um enfraquecimento e até mesmo de uma extinção dos mesmos. No primeiro caso, a preponderância do mundo instintivo provoca uma inconsciência na filha de sua personalidade; no segundo caso desenvolve-se uma projeção dos instintos sobre a mãe. Por ora, devemos contentar-nos com a constatação de que o complexo materno na filha, ou estimula efetivamente o instinto feminino, ou o inibe na mesma proporção; no filho, porém o instinto masculino é lesado por uma sexualidade anormal. Uma vez que "complexo materno" é um conceito da psicopatologia, ele vem sempre associado à ideia de dano e sofrimento. No entanto, se o tirarmos desse quadro patológico demasiado estreito, dando-lhe uma conotação mais ampla e abrangente, poderemos fazer menção também de sua influência positiva: no filho, produz-se, além do homossexualismo ou em lugar dele, uma diferenciação do Eros (algo neste sentido é sugerido no Simpósio de PLATÃO); ou então um desenvolvimento do bom gosto e da estética, fomentados pela presença de certo elemento feminino; podem ainda ocorrer dons de educador aperfeiçoados pela intuição e tato femininos ou um espírito histórico conservador no bom sentido que preserva cuidadosamente todos os valores do passado.
Pode ocorrer um sentido especial de amizade que tece laços extremamente delicados entre almas masculinas, e até resgata a amizade entre os sexos da condenação ao limbo da impossibilidade. Pode produzir uma riqueza do sentimento religioso, que ajuda a tornar realidade uma ecclesia spirítualis, e enfim uma receptividade espiritual que acolhe a Revelação.
O que é donjuanismo negativo pode significar uma masculinidade arrojada, uma ambição por metas supremas, em seu aspecto positivo; além de uma violência frente a toda estupidez, obstinação, injustiça e preguiça, uma prontidão para sacrificar-se pelo que reconhece como correto tocando as raias do heroísmo; perseverança, inflexibilidade e tenaz força de vontade; uma curiosidade que não se assusta diante dos enigmas do mundo; e, finalmente, um espírito revolucionário, que constrói uma nova morada para seus semelhantes ou renova a face do mundo.
Todas essas possibilidades estão refletidas nos mitologemas que já citei como aspectos do arquétipo materno. Uma vez que já tratei numa série de escritos do complexo materno do filho, inclusive a complicação da anima, quero relegar a psicologia masculina ao pano de fundo nesta conferência, cujo tema é o arquétipo da mãe.

Trecho extraído do livro: Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo