O
Complexo Materno
por
Carl Gustav Jung
O arquétipo materno é a
base do chamado complexo materno. É uma questão em aberto saber se tal complexo
pode ocorrer sem uma participação causal da mãe passível de comprovação.
Segundo minha experiência, parece-me que a mãe sempre está ativamente presente
na origem da perturbação, particularmente em neuroses infantis ou naquelas cuja
etiologia recua até a primeira infância. Em todo caso, é a esfera instintiva da
criança que se encontra perturbada, constelando assim arquétipos que se
interpõem entre a criança e a mãe como um elemento estranho, muitas vezes
causando angústia. Quando os filhos de uma mãe super-protetora, por exemplo,
sonham com frequência que ela é um animal feroz ou uma bruxa, tal vivência
produz uma cisão na alma infantil e conseqüentemente a possibilidade da
neurose.
O
Complexo Materno do Filho
Os efeitos do complexo
materno diferem segundo ocorrerem no filho ou na filha. Efeitos típicos no
filho são o homossexualismo, o donjuanismo
e eventualmente também a impotência. No homossexualismo o componente
heterossexual fica preso à figura da mãe de modo inconsciente; no donjuanismo, a mãe é procurada
inconscientemente "em cada mulher". Os efeitos do complexo materno
sobre o filho são representados pela ideologia do tipo Cibele-Átis: auto-castração,
loucura e morte prematura. O complexo materno no filho não é puro, na medida em
que existe uma dessemelhança quanto ao sexo. Essa diferença é a razão pela qual
em cada complexo materno masculino, ao lado do arquétipo materno, a anima do
parceiro sexual masculino desempenha um papel importante. A mãe é o primeiro
ser feminino com o qual o futuro homem entra em contato e ela não pode deixar
de aludir, direta ou indiretamente, grosseira ou delicadamente, consciente ou
inconscientemente a masculinidade do filho, tal como este último toma
consciência gradual da feminilidade da mãe ou pelo menos responde de forma
inconsciente e instintiva a ela. No filho, as simples relações da identidade ou
de resistência no tocante à diferenciação são continuamente atravessadas pelos
fatores de atração ou repulsa erótica. Assim sendo, o quadro torna-se
substancialmente complicado. Mas não pretendo afirmar que devido a isso o
complexo materno do filho deva ser tomado mais a sério do que o da filha. Na
pesquisa desses fenômenos anímicos complexos ainda estamos em estado incipiente,
no estágio do trabalho pioneiro. As comparações só podem ser feitas quando
dispomos de dados estatísticos. Estes, porém ainda não existem. Só no caso da
filha o complexo materno é mais puro e sem complicações. Trata-se nele, por um
lado, de uma intensificação dos instintos femininos provindos da mãe, e, por
outro, de um enfraquecimento e até mesmo de uma extinção dos mesmos. No
primeiro caso, a preponderância do mundo instintivo provoca uma inconsciência
na filha de sua personalidade; no segundo caso desenvolve-se uma projeção dos
instintos sobre a mãe. Por ora, devemos contentar-nos com a constatação de que
o complexo materno na filha, ou estimula efetivamente o instinto feminino, ou o
inibe na mesma proporção; no filho, porém o instinto masculino é lesado por uma
sexualidade anormal. Uma vez que "complexo materno" é um conceito da
psicopatologia, ele vem sempre associado à ideia de dano e sofrimento. No
entanto, se o tirarmos desse quadro patológico demasiado estreito, dando-lhe
uma conotação mais ampla e abrangente, poderemos fazer menção também de sua
influência positiva: no filho, produz-se, além do homossexualismo ou em lugar dele,
uma diferenciação do Eros (algo neste
sentido é sugerido no Simpósio de PLATÃO); ou então um desenvolvimento do bom gosto
e da estética, fomentados pela presença de certo elemento feminino; podem ainda
ocorrer dons de educador aperfeiçoados pela intuição e tato femininos ou um
espírito histórico conservador no bom sentido que preserva cuidadosamente todos
os valores do passado.
Pode ocorrer um sentido
especial de amizade que tece laços extremamente delicados entre almas
masculinas, e até resgata a amizade entre os sexos da condenação ao limbo da
impossibilidade. Pode produzir uma riqueza do sentimento religioso, que ajuda a
tornar realidade uma ecclesia spirítualis,
e enfim uma receptividade espiritual que acolhe a Revelação.
O que é donjuanismo negativo pode significar uma
masculinidade arrojada, uma ambição por metas supremas, em seu aspecto
positivo; além de uma violência frente a toda estupidez, obstinação, injustiça
e preguiça, uma prontidão para sacrificar-se pelo que reconhece como correto
tocando as raias do heroísmo; perseverança, inflexibilidade e tenaz força de
vontade; uma curiosidade que não se assusta diante dos enigmas do mundo; e,
finalmente, um espírito revolucionário, que constrói uma nova morada para seus
semelhantes ou renova a face do mundo.
Todas essas
possibilidades estão refletidas nos mitologemas que já citei como aspectos do
arquétipo materno. Uma vez que já tratei numa série de escritos do complexo
materno do filho, inclusive a complicação da anima, quero relegar a psicologia
masculina ao pano de fundo nesta conferência, cujo tema é o arquétipo da mãe.
Trecho extraído do livro: Os Arquétipos e o
Inconsciente Coletivo